Metas ambiciosas e polêmica com Putin: o que esperar da cúpula do G20 no Brasil em 2024

Metas ambiciosas e polêmica com Putin: o que esperar da cúpula do G20 no Brasil em 2024

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o país vai criar duas forças-tarefas dentro do G20 no próximo ano, durante a presidência brasileira do grupo: uma para reduzir a fome no mundo e outra para enfrentar as mudanças climáticas.

O anúncio foi feito neste domingo (10/9), durante o discurso de encerramento da cúpula de Nova Déli, na Índia, quando houve a transmissão simbólica da liderança do G20 — grupo que reúne as maiores economias do mundo.

O governo brasileiro quer evitar que a guerra da Ucrânia, país invadido em 2022 pela Rússia, desvie a atenção das prioridades brasileiras.

Uma potencial fonte de constrangimento para o Brasil será a participação do presidente russo Vladimir Putin, que é alvo de mandados de prisão do Tribunal Penal Internacional, acusado de crimes de guerra na invasão da Ucrânia.
“Não estou dizendo que vou sair de um tribunal. Eu nem sabia da existência desse tribunal. Eu só quero saber por que os Estados Unidos não são signatários, por que a Índia não é signatária, por que a China não é signatária, por que a Rússia não é signatária e por que o Brasil é signatário”, disse Lula em entrevista coletiva.

Como o Brasil é signatário do acordo que criou o tribunal, em tese o país deveria cumprir os mandados caso o presidente russo vá ao país. No entanto, Lula disse em entrevista ao canal indiano Firstpost que não tem qualquer intenção de prender Putin.

“Eu acho que o Putin pode ir tranquilamente para o Brasil. Eu posso lhe dizer, se eu for o presidente do Brasil e ele for ao Brasil, não há por que ele ser preso”, afirmou.

Entenda melhor a seguir em três pontos o que esperar da presidência brasileira do G20.

1. As metas ambiciosas do Brasil
“Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável” será o lema do G20 brasileiro. E haverá três focos principais, com objetivos ambiciosos.

O primeiro será a inclusão social e o combate à fome. Segundo Lula, isso incluirá o lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.

A ideia é propor às maiores economias do mundo metas concretas de redução da insegurança alimentar.

O segundo foco é a transição energética e o desenvolvimento sustentável, levando em conta três dimensões: social, econômica e ambiental — ou seja, o Brasil não quer que a agenda ambiental esteja separada da necessidade de geração de renda e redução das desigualdades.

Nesse campo, Lula disse que vai criar a Mobilização Global contra a Mudança do Clima, mas não deu detalhes de como isso funcionaria.

E o terceiro foco será a reforma das instituições de governança global, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e o Conselho de Segurança das Nações Unidas, para ampliar o espaço e o acesso a recursos de países em desenvolvimento.

Para o Brasil, essas instituições têm formatos ultrapassados que não dão o devido espaço para as nações em desenvolvimento. “A arquitetura financeira global mudou pouco e as bases de uma nova governança econômica não foram lançadas. Novas urgências surgiram. Os desafios se acumularam e se agravaram”, discursou Lula, em sua fala final.

“Vivemos num mundo em que a riqueza está mais concentrada. Em que milhões de seres humanos ainda passam fome. Em que o desenvolvimento sustentável está ameaçado. Em que as instituições de governança ainda refletem a realidade de meados do século passado. Só vamos conseguir enfrentar todos esses problemas se tratarmos da questão da desigualdade”, reforçou.

2. G20 em todo o Brasil, mas enxuto?
A cúpula de líderes do Rio de Janeiro será precedida de dezenas de encontros setoriais, para as autoridades do G20 discutirem políticas em diferentes áreas, como saúde, educação e meio ambiente

A intenção do governo brasileiro, segundo havia explicado o Itamaraty em uma conversa com a imprensa prévia à cúpula de Déli, seria realizar eventos nas cinco regiões do país, mas em dimensão bem menor que a indiana, que chegou a promover mais de 200 eventos do G20, em cerca de sessenta cidades.

Lula, porém, disse na segunda-feira que sua intenção é “fazer muito debate”.

“Possivelmente, a gente vai fazer mais debate do que tem acontecido aqui na Índia. Nós queremos utilizar várias cidades brasileiras, para que a gente faça o maior número possível de eventos do G20. Tentar fazer um G20 popular. Ou seja, a sociedade se manifestar, a sociedade participar, para que a gente possa, nas conclusões, mostrar um pouco do retrato de um G20 mais participativo, de um G20 mais democrático”, acrescentou.

O presidente também elogiou os gastos da Índia na realização do G20 como um excelente investimento.

Para críticos do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, ele usou a presidência do grupo para projetar seu governo internamente, de olho na eleição nacional do próximo ano.

Durante a cúpula de Nova Déli, uma quantidade enorme de cartazes do G20 com a foto de Modi foram espalhados pela cidade, tornando o rosto do primeiro-ministro onipresente na cidade.

3. O impacto da guerra na Ucrânia
A guerra da Ucrânia é foco de tensão no grupo, já que potências ocidentais condenam fortemente a invasão e adotaram sanções contra a Rússia.

O Brasil, por sua vez, tenta manter uma posição de neutralidade: o país condenou a invasão em uma resolução da ONU, mas é contra retaliações econômicas.

“Nós não podemos deixar que questões geopolíticas sequestrem a agenda de discussões das várias instâncias do G20. Não nos interessa um G20 dividido”, disse Lula em Déli.

Essa fala ecoa o discurso de outros países, como China e Índia, que defendem que o G20 não é o fórum adequado para discutir conflitos militares. Na visão desses países, o grupo deve focar em questões sociais, econômicas e ambientais.

Ainda que Lula queira evitar o tema, a discussão sobre a possível prisão de Putin caso ele venha ao Brasil já está gerando desgaste para o presidente.

“Lula, ao dizer que Putin não seria preso no Brasil, não só desafia o Tribunal Penal Internacional, como também dá um recado ao mundo democrático: o Brasil está ao lado dos autoritários que atentam contra o mundo livre”, disse o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP).

Já o professor de direito internacional da FGV Thiago Amparo disse, na mesma rede social, que há um debate jurídico sobre se chefes de Estado podem ter imunidade contra eventuais punições em caso de crime internacional.

“Postura de Lula faz sentido diplomático: não fechar os canais com Rússia enquanto G20. Do ponto de vista da lei internacional, é mais complicado. Estados partes do Estatuto de Roma têm obrigação de cooperar”, ponderou ainda.

Será preciso aguardar até novembro de 2024 para saber o que vai acontecer. Pode ser que Putin nem queira ir ao Brasil.

A Índia não é signatária do acordo. Mesmo assim o russo optou por não sair da Rússia em meio à guerra, tendo enviado seu ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, para representá-lo na cúpula de Déli.

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